Esports: uma visão geral de uma nova (quase) fronteira no entretenimento digital

Esports: uma visão geral de uma nova (quase) fronteira no entretenimento digital

Nó Fonte: 1854274

Setembro de 2022

By Andrea Rizzi e Francisco de Rugeriis, Andrea Rizzi & Partners, Milão, Itália

Perdoe-me: um e-… o quê?

De acordo com a definição no Oxford Advanced Learner's Dictionary, um esport é “um videogame jogado como uma competição para as pessoas assistirem como entretenimento”. Ainda que com alguma aproximação, esta definição capta a essência do fenômeno e nos ajuda a introduzir este primeiro ponto muito importante: qualquer videogame (seja uma simulação virtual de uma atividade esportiva tradicional ou não) pode ser um esport.

Apenas uma fração dos esports envolve simuladores virtuais de esportes tradicionais como futebol ou basquete. League of Legends, o videogame desenvolvido pela Riot Games, é um dos “esports” mais populares do mundo, mas aparentemente não tem nada a ver com “esporte”. (Foto: © Riot Games)

Apenas uma pequena fração dos esports envolve simuladores virtuais de esportes tradicionais como futebol ou basquete. League of Legends, o videogame desenvolvido pela Riot Games, é um dos “esports” mais populares do mundo e, no entanto, aparentemente, não tem nada a ver com um “esporte”; é um videogame baseado em batalha ambientado em um mundo de fantasia onde equipes de personagens fantasiosos lutam pela vitória e pela glória.

A importância dos esports

A importância dos esportes eletrônicos deve ser apreciada tanto do ponto de vista econômico quanto de comunicação. Em termos econômicos, em 2022, a indústria de esports deve gerar US$ 1.38 bilhão, ante US$ 1.11 bilhão em 2021, com crescimento ano a ano de 16.4%, de acordo com o Newzoo's Relatório global do mercado Esportes e transmissão ao vivo 2022

Do ponto de vista das comunicações, os esports podem se conectar com as gerações mais novas e mais velhas com alta capacidade de gasto. Como tal, eles estão se tornando um alvo interessante para grandes marcas como Louis Vuitton e Mastercard, que até recentemente eram totalmente alheias ao mundo dos jogos. Sua capacidade de atingir um público mais amplo e variado é atraente. Em 2019, a final do Campeonato Mundial de League of Legends teve cerca de 100 milhões de espectadores, enquanto o NFL Superbowl teve “apenas” 98 milhões de espectadores.

Ao contrário dos esportes tradicionais, onde ninguém 'possui' o jogo como tal, nos videogames toda uma série de pessoas (físicas ou jurídicas) pode ter direitos de propriedade sobre o jogo ou seus componentes.

Esports como videogames protegidos por IP

Para haver um esport, deve haver um videogame. Isso tem implicações significativas do ponto de vista legal. Se pensarmos em um videogame como sendo, em essência, uma camada de software (ou mecanismo de jogo) sobre a qual estão componentes audiovisuais, como animações, imagens, texto, efeitos sonoros e música, que são objetos protegidos por IP, então a complexidade legal em torno dos esportes eletrônicos fica mais clara. Direitos de Autor é indiscutivelmente a categoria de direitos de propriedade intelectual mais imediatamente relevante para os videogames. No entanto, praticamente todas as categorias de direitos de PI são potencialmente pertinentes.

Numa perspetiva europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no seu Decisão nº C-355/12 (o caso Nintendo), esclareceu que “os videogames [...] matéria complexa compreendendo não apenas um programa de computador, mas também imagens gráficas e sonoras elementos, que […] estão protegidos, juntamente com toda a obra, por direitos autorais [...].”

Como os direitos de PI são direitos de propriedade/inerentemente monopolistas, seus proprietários podem, em princípio, impedir que outros usem o assunto relevante. Ao contrário dos esportes tradicionais, onde ninguém “possui” o jogo como tal, nos videogames toda uma série de pessoas (físicas ou jurídicas) pode ter direitos de propriedade sobre o jogo ou seus componentes: codificadores, artistas, escritores, compositores e performers, para cite alguns.

Os direitos de propriedade intelectual dos videogames são normalmente de propriedade ou controlados pelo editor, que os adquire para sua distribuição e exploração comercial. Essa exploração ocorre, basicamente, por meio da venda de licenças para usuários finais, cujos termos são regidos pelo Contrato de licença do usuário final/Termos de serviço (EULA/ToS). Sob esses acordos, a licença do editor é praticamente sempre limitada a usos pessoais/não comerciais. Isso nos leva ao segundo ponto fundamental: ao contrário de um torneio de futebol, a organização de um torneio de esports requer autorização, em princípio, do editor do videogame.

O cenário dos esports está se expandindo e os esports estão crescendo em popularidade à medida que os videogames se tornam um meio de entretenimento e comunicação cada vez mais importante para as gerações mais jovens. (Foto: © Riot Games)

Esports como ecossistemas complexos

Aqui está o terceiro ponto crucialmente importante: a presença e a interação entre as partes interessadas e seus respectivos direitos de PI criam um ecossistema complexo, conforme descrito na Figura 1.

Essa complexidade é gerenciada por meio de uma rede de acordos, cada um dos quais deve “conversar” com os outros: entenda errado e você poderá infringir os direitos de propriedade intelectual de terceiros. Ao navegar neste ecossistema, é importante lembrar os seguintes pontos-chave.

Primeiro, cada esport é um videogame que possui suas próprias regras internas, que são o resultado das decisões de design do jogo do desenvolvedor. De um modo geral, essas decisões de design não podem ser alteradas pelo usuário sem autorização. Em segundo lugar, o uso do videogame é regido por um contrato de licença. Este pode ser o EULA/ToS geral ou uma licença sob medida concedida pelo editor para permitir a organização de um torneio específico. E terceiro, várias outras partes detentoras de direitos de propriedade intelectual provavelmente estarão envolvidas em uma competição de e-sports, o que aumenta ainda mais a complexidade do ponto de vista da propriedade intelectual.

Um torneio de esports pode ser organizado pelo editor ou por um organizador terceirizado e pode ter suas próprias regras (adicionais). Qualquer violação das regras do evento pode implicar na violação dos direitos de propriedade intelectual do editor e/ou do terceiro organizador. Um torneio pode ser uma competição independente ou parte de um evento maior, como uma liga, que implicará em regras adicionais.

Os organizadores do torneio (sejam os editores ou organizadores terceirizados) monetizarão seus direitos por meio de acordos de patrocínio com marcas (também cobertos por direitos de propriedade intelectual) e concedendo direitos de transmissão/streaming para plataformas de distribuição de conteúdo (como Twitch ou YouTube), normalmente em regime de exclusividade. Além disso, eles gerarão receita com a venda de ingressos para h eventos físicos e a venda de mercadorias físicas ou digitais de todos os tipos (também cobertas por direitos de propriedade intelectual).

E depois, é claro, há jogadores e times, que podem ter seus próprios acordos de patrocínio com marcas e patrocinadores de eventos. As equipes e os jogadores possuem ou controlam os direitos sobre as imagens dos jogadores e espectadores que assistem à competição. Os espectadores geralmente interagem por meio de plataformas de streaming (que também possuem direitos de IP em sua tecnologia proprietária) e potencialmente criam conteúdo que também pode atrair direitos de IP adicionais, dependendo do EULA/ToS da plataforma e – na medida em que o conteúdo inclua qualquer conteúdo de jogo – os termos de o EULA/ToS do editor.

Os esportes eletrônicos representam um ecossistema complexo de direitos de propriedade intelectual. Essa complexidade é gerenciada por meio de uma rede de acordos, cada um dos quais deve “conversar” com os outros para evitar qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual de terceiros.

Uma questão fundamental: quem deve regulamentar os esports?

Como costuma acontecer com novos fenômenos, os esportes eletrônicos não são regulamentados pela lei nacional. Consequentemente, os editores com direitos de PI têm grande liberdade na administração do ecossistema de esports (dentro do escopo da lei geral, incluindo leis do consumidor e antitruste). Do ponto de vista do editor, isso é razoável, já que o editor normalmente arca com o ônus econômico de financiar e comercializar seu jogo. É também o arranjo mais eficiente, pois ninguém entende seu produto/serviço (e a comunidade de usuários associada) melhor do que o editor. Como tal, os editores estão em melhor posição para fazer o ecossistema do jogo florescer.

Alguns argumentam, no entanto, que, do ponto de vista do mercado de esports, o monopólio substancial que os editores individuais desfrutam sobre seus jogos não é a solução ideal. Aqueles que veem risco em deixar o ecossistema nas mãos dos editores argumentam que os interesses de outras partes interessadas nem sempre podem estar alinhados com os interesses dos editores. Eles defendem a necessidade de contrabalançar o poder do editor de proteger os interesses e investimentos de terceiros.

Alguns defendem a intervenção regulatória do Estado, que pode assumir duas formas. Em primeiro lugar, regulamentação sob medida (desde uma intervenção de “leve toque” limitada a corrigir as deficiências do quadro regulamentar existente, até uma intervenção legislativa mais abrangente). E, em segundo lugar, colocar os esportes eletrônicos dentro da estrutura regulatória aplicável aos esportes tradicionais e, portanto, sob a alçada do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Como costuma acontecer com novos fenômenos, os esportes eletrônicos não são regulamentados pela lei nacional. Consequentemente, os editores com direitos de propriedade intelectual têm grande liberdade para administrar o ecossistema de esports.

Em abril de 2021, o COI divulgou seu “Agenda 2020+5", que observa uma distinção entre esportes virtuais (ou seja, versões virtuais de esportes reconhecidos) e videogames. Embora o COI reconheça a importância dos videogames para atingir os jovens e incentivá-los a praticar esportes, suas recomendações deixam claro que o foco do COI é o esporte virtual, em relação ao qual ele vê espaço para as Federações Internacionais assumirem responsabilidades de governo e regulamentação (recomendação nº 9). Isso deixa de fora os inúmeros esportes eletrônicos que não são simuladores virtuais de esportes tradicionais, aos quais será aplicado um regime regulatório diferente.

Em maio-junho de 2021, ocorreu a primeira Série Virtual Olímpica. Ele viu eplayers competirem em esportes virtuais (ebaseball, erowing, ecycling, esailing e emotor-racing) e o envolvimento das cinco Federações Internacionais que regem os esportes correspondentes.

Embora os papéis e responsabilidades das Federações nos níveis internacional e nacional ainda não tenham sido definidos, sua inclusão certamente adicionará complexidade aos ecossistemas de esports. Por quê? Primeiro, porque as Federações inevitavelmente imporão camadas extras de regras às organizações de esports e, segundo, porque as responsabilidades reguladoras e reguladoras das Federações previstas pelo COI podem, se não forem cuidadosamente gerenciadas, causar atrito com os editores.

A disputa entre a desenvolvedora/editora Blizzard Entertainment e a KeSPA – Associação Coreana de e-Sports criada pelo governo sul-coreano para fiscalizar o cenário profissional local – dá um indício dos problemas que podem surgir. A disputa girava em torno da gestão dos direitos de transmissão relativos à exibição do videogame Starcraft da Blizzard na televisão. A disputa acabou estabelecido (em termos não revelados), mas somente depois que a Blizzard processou a KeSPA.

Resumindo

O cenário dos esports está se expandindo e os esports estão crescendo em popularidade à medida que os videogames se tornam um meio de entretenimento e comunicação cada vez mais importante para as gerações mais jovens.

Os esports são ecossistemas complexos, que historicamente os editores têm administrado, aproveitando os poderes e a flexibilidade que a propriedade intelectual e as leis contratuais lhes conferem, com pouca ou nenhuma interferência do Estado e de sua legislação. Isso pode, e geralmente cria, problemas. No entanto, a falta de regras feitas sob medida pelo Estado deixa espaço para que os tribunais e as autoridades reguladoras apliquem os regulamentos existentes (por exemplo,, muitas vezes onerosa promoção de prêmios e/ou jogos de azar/regulamentos de jogos regulamentados) que foram criados antes do surgimento dos esportes eletrônicos. Isso, por sua vez, gera um risco regulatório e pode representar um desestímulo para potenciais investidores.

Da mesma forma, a falta de ad hoc regras nacionais corre o risco de deixar lacunas importantes no sistema, por exemplo, em relação a questões de vistos de jogadores. Esses problemas surgem quando os jogadores entram em um país estrangeiro para participar de um evento de e-sports. Como eplayers profissionais, eles são tecnicamente “trabalhadores” e precisam cumprir as leis locais de imigração, que podem exigir um visto de trabalho. No entanto, muitas vezes é impraticável, se não impossível, para um jogador de esports obter um visto de trabalho “comum”. É por isso que, nos esportes tradicionais, os atletas profissionais se beneficiam de regras de visto personalizadas e simplificadas). Por outro lado, trazer os videogames para o âmbito das organizações esportivas tradicionais também pode não ser totalmente satisfatório, pois um ambiente excessivamente regulamentado pode colidir com as prerrogativas dos editores.

Resta saber como, do ponto de vista da governança, o papel das Federações esportivas internacionais e nacionais pode ser moldado e quais regras serão aplicadas aos esports que não são simuladores virtuais de esportes. O objetivo, no entanto, é um sistema de governança que seja benéfico para a indústria e respeitoso com os direitos de propriedade intelectual dos editores para evitar disputas como o caso Blizzard-KeSPA.

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