Eventos na mecânica quântica são maximamente não absolutos

Nó Fonte: 1639605

Jorge Moreno1,2, Ranieri Nery1, Cristiano Duarte1,3e Rafael Chaves1,4

1Instituto Internacional de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 59078-970, Natal, Brasil
2Departamento de Computação, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 52171-900, Recife, Pernambuco, Brasil
3Escola de Física e Astronomia, Universidade de Leeds, Leeds LS2 9JT, Reino Unido
4Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil

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Sumário

O notório problema de medição quântica traz à tona a dificuldade de conciliar dois postulados quânticos: a evolução unitária de sistemas quânticos fechados e o colapso da função de onda após uma medição. Esta problemática é particularmente destacada no experimento mental do amigo de Wigner, onde a incompatibilidade entre a evolução unitária e o colapso da medição leva a descrições quânticas conflitantes para diferentes observadores. Um recente teorema do impossível estabeleceu que as estatísticas (quânticas) decorrentes de um cenário amigo de Wigner estendido são incompatíveis quando se tenta manter unidas três suposições inócuas, nomeadamente não-superdeterminismo, independência de parâmetros e absolutismo dos eventos observados. Com base neste cenário alargado, introduzimos duas novas medidas de não-absolutidade dos acontecimentos. A primeira é baseada na decomposição EPR2, e a segunda envolve o relaxamento da hipótese de absolutismo assumida no referido teorema do no-go. Para provar que as correlações quânticas podem ser maximamente não absolutas de acordo com ambos os quantificadores, mostramos que as desigualdades de Bell encadeadas (e suas relaxações) também são restrições válidas para o experimento de Wigner.

O problema da medição emerge da incompatibilidade entre dois dos postulados quânticos. Por um lado, temos a equação de Schrödinger, que nos diz que a evolução da função de onda é governada por uma transformação unitária suave e reversível. Do outro lado, temos o postulado da medição, que nos diz qual a probabilidade de determinado resultado quando uma medição é realizada, implicando no chamado colapso da função de onda, uma transformação não unitária, abrupta e irreversível.
Para ilustrar o problema, o físico húngaro-americano Eugene Wigner propôs em 1961 um experimento imaginário, agora chamado de experimento amigo de Wigner. Charlie, um observador isolado em seu laboratório, realiza uma medição em um sistema quântico em uma superposição de dois estados. Ele obtém aleatoriamente um dos dois resultados de medição possíveis. Em contraste, Alice atua como uma superobservadora e descreve seu amigo Charlie, o laboratório e o sistema que está sendo medido como um grande sistema quântico composto. Assim, da perspectiva de Alice, o seu amigo Charlie existe numa superposição coerente, emaranhado com o resultado da sua medição. Ou seja, do ponto de vista de Alice, o estado quântico não associa um valor bem definido ao resultado da medição de Charlie. Assim, estas duas descrições, a de Alice ou a do seu amigo Charlie, conduzem a resultados diferentes, que em princípio poderiam ser comparados experimentalmente. Pode parecer um pouco estranho, mas aqui reside o problema: a mecânica quântica não nos diz onde traçar a linha entre os mundos clássico e quântico. Em princípio, a equação de Schrödinger aplica-se a átomos e electrões, bem como a objectos macroscópicos como gatos e amigos humanos. Nada na teoria nos diz o que deve ser analisado através de evoluções unitárias ou do formalismo dos operadores de medição.
Se imaginarmos agora dois superobservadores, descritos por Alice e Bob, cada um deles medindo seu próprio laboratório contendo seus respectivos amigos, Charlie e Debbie e os sistemas que medem, as estatísticas obtidas por Alice e Bob deveriam ser clássicas, ou seja, não deveriam ser capaz de violar qualquer desigualdade de Bell. Afinal, pelo postulado da medição, toda a não-classicalidade do sistema deveria ter sido extinta quando Charlie e Debbie realizaram as suas medições. Matematicamente, podemos descrever esta situação por um conjunto de hipóteses. A primeira hipótese é o caráter absoluto dos eventos (AoE). Como em um experimento de Bell, o que temos acesso experimental é a distribuição de probabilidade p(a,b|x,y), os resultados da medição de Alice e Bob, dado que eles mediram um determinado observável. Mas se as medições feitas pelos observadores são realmente acontecimentos absolutos, então esta probabilidade observável deveria provir de uma probabilidade conjunta na qual os resultados das medições de Charlie e Debbie também pudessem ser definidos. Quando combinada com as suposições de independência de medição e não sinalização, a AoE leva a restrições experimentalmente testáveis, desigualdades de Bell que são violadas por correlações quânticas, provando assim a incompatibilidade da teoria quântica com a conjunção de tais suposições.
Neste artigo, mostramos que podemos relaxar a suposição de AoE e ainda obter violações quânticas das desigualdades de Bell correspondentes. Ao considerar duas maneiras diferentes e complementares de quantificar o relaxamento da AoE, quantificamos o quanto as previsões de um observador e de um superobservador deveriam discordar para reproduzir as previsões quânticas para tal experimento. Na verdade, como provamos, para reproduzir as possíveis correlações permitidas pela mecânica quântica, este desvio tem que ser máximo, correspondendo ao caso em que os resultados das medições de Alice e Charlie ou de Bob e Debbie são completamente não correlacionados. Em outros termos, a teoria quântica permite eventos maximamente não absolutos.

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Citado por

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As citações acima são de SAO / NASA ADS (última atualização com êxito 2022-08-26 10:13:55). A lista pode estar incompleta, pois nem todos os editores fornecem dados de citação adequados e completos.

On Serviço citado por Crossref nenhum dado sobre a citação de trabalhos foi encontrado (última tentativa 2022-08-26 10:13:53).

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